PROJETO ARTE E CIDADANIA EM HELIÓPOLIS





MÓDULO I - O DIA EM QUE TÚLIO DESCOBRIU A ÁFRICA - REALIZADO EM 2009




MÓDULO II - NORDESTE/HELIÓPOLIS/BRASIL - REALIZADO 2010/2011






MÓDULO III - UM LUGAR AO SOL ( EM ANDAMENTO)



quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sobre Maria José de Carvalho - A quem a casa pertencia!







MARIA JOSÉ DE CARVALHO – UMA PEQUENA BIOGRAFIA

Maria José de Carvalho (1919 –1995) – uma trajetória de vida que faz parte da história da arte e da cultura de São Paulo, a partir da década de 40 e por mais de 50 anos. Em companhia de intelectuais e artistas de sua geração, ela foi uma “apaixonada ativista” em movimentos de renovação cultural na área da música, teatro, poesia e pintura.
Foi da “Geração de 45” de poetas concretistas e em 1954 iniciou o Movimento Ars Nova na música, “...fazendo o modernismo e as vanguardas chegarem finalmente aos amantes da música...”, fenômeno paralelo àquele que já vinha acontecendo no teatro da época (Decio de Almeida Prado).
Professora de dicção, coro falado e interpretação teatral da Escola de Arte Dramática e da Escola de Comunicações e Artes da USP (durante muitos anos), tradutora notável por mais de 30 anos, poeta, cantora e pianista, formada pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e licenciada pela FFCHL da USP em 1946, em História e Geografia, desenvolveu um trabalho importante na formação de algumas gerações de atores e cantores reconhecidamente notáveis.
Sua peculiar casa no Ipiranga, durante 3 décadas foi um lugar de encontro de alunos e amigos, um lugar para cursos, reuniões, concertos, teatro, poesia e de suas concorridas pré-estréias dos espetáculos de cabaré, no Cabaré do Gato.
Recuperar e restaurar um espaço tão significativo para a cultura e para a arte, construído durante toda uma vida dedicada ao conhecimento, ao bom gosto, à sensibilidade da arte , na sua melhor expressão, a Casa Maria José de Carvalho inspira e valoriza a importância da memória, do resgate e preservação da história de uma cidade, de um povo e sua cultura.

MARIA JOSE POR MARIA JOSÉ : SUA VIDA, SUA CASA, -

“São Paulo, 1º de novembro de 1981.
8:15 da manhã. Sol radioso. Temperatura amena. Na minha livraria, onde lhe escrevo, à esquerda, uma sacada dando para uma rua comercial e ruidosa, à direita uma janela dando para um jardim e do qual vejo... A estátua art-nouveau de bela dama lampadófora... E em frente o jardim misterioso e selvagem... Onde tem até uma oliveira esplêndida em seu verde-prata, filodendros, dracenas e samambaias e muitas outras plantas.”

Este é o começo de uma delicada carta para Pedro Nava, onde Maria José poeticamente se apresenta e mostra seu mundo.

“Moro numa casa construída por meu pai em 1927, na qual efetuei pequenas reformas para ajeitá-la a meu gosto pessoal. É uma casa cujo estilo é o de não ter estilo, com raízes nem art-nouveau decadente, sem chegar ao art-déco, que aqui em São Paulo se chamou futurista. Dá diretamente para a rua e tem um jardim nos fundos, não devassado e muito vivido por mim e meus gatos e os pássaros que ainda o freqüentam... No andar térreo, que fica um pouco abaixo do nível da rua, está o Cabaré do Gato com seu barzinho, um banheiro e que dá para um pátio, um pequeno vestíbulo, uma saleta, de jantar, a sala de estar com meu Gaveau de meia cauda, um oratório cômoda goiano do século XVIII, uma pequena coleção de cusquenhos, um retrato meu aos dois aninhos no Jardim da Luz, então de muito bom tom, feito por Darcy Penteado, por uma fotografia da época, um retrato meu aos 29 anos feito por Di Cavalcanti, um canapé Thonet, que era da casa de minha mãe, algumas poltronas e uma mesinha vitrine, com objetos da infância... A copa cozinha, sem armários, com tudo exposto em prateleiras, cestos e gamelas. No terceiro andar, a livraria que circula por trás de pequenos quartos comunicantes - o quarto de vestir e o banheiro. E no 4º andar, o lunarium, isto é, o sótão onde só vou para dormir...Durmo n chão entre almofadas, plantas e uma arca policromada, imitação de um móvel germânico do século XII... E com a luz e o sol entrando ao nascer... Gosto muito de minha casa.”
Maria José descreve também na carta toda trajetória profissional, sua formação, criações, sonhos e realizações.
“ ...sou medalhão em dicção, matéria que lecionei muitos anos na Universidade de São Paulo, pelo Brasil todo e também no exterior, desde a mais pura técnica até os requintes de interpretação de poesia e do teatro, ...e que leciono até hoje fora da USP, que deixei por espontânea vontade, em cursos particulares e públicos... Sou poetisa, tradutora (uma das minhas grandes paixões:tenho centenas de traduções engavetadas), musicista (cantora) e mulher de teatro (posso dizer assim ?) pois que no teatro fiz tudo: crítica jornalística, pedagogia, interpretação, tradução de textos e direção. Sofri na minha vida profissional e particular todas as agressões possíveis da burrice, da insensibilidade (trágica doença), da incompetência e da ignorância... Vivo encastelada...! Quanto à música, estudei piano, violino e canto e acabei por me tornar cantora; cantei muitos anos no Coral Municipal, do qual também sai espontaneamente, movida por outros interesses e cansada da rotina de trabalho. ...Fundei com meu ex. marido o regente Diogo Pacheco o Movimento Ars Nova dedicado à música medieval, renascentista e contemporânea, de doce memória e que fez história na cidade... Hoje faço há dois anos música de cabaré sofisticado, dedico-me especialmente à Belle Époque,... anos 20 e aos demais períodos até 1950. Tenho atualmente 3 programas, onde sou acompanhada pelo pianista Mário Zaccaro,... Já me apresentei em São Paulo, Assunção, Nova Iorque e em Washington... Preparo agora com um excepcional conjunto de choro que descobri, flauta, vilão e cavaquinho, uma noite de choro e seresta, que apresentarei no Cabaré do Gato, que fica no andar térreo de minha casa... Um cabaré particular onde se perpretam de vez em quando coisas de poesia e música e onde costumo fazer as pré-estréias de meus recitais de cabaré... Enfim sou uma monja laica com veleidades de vedette emplumada...”.

A indignação frente ao pouco cuidado com a preservação de nosso patrimônio cultural e arquitetônico, é mostrada por Maria José na sua descrição da cidade em 1981.

“...Aqui no planalto, ..., havia alguma coisa a preservar, como as belas mansões da Avenida Paulista, Higienópolis e Campos Elíseos e aqui no Ipiranga onde moro, os palácios preciosíssimos dos libaneses ( os Jafet), que juntamente com os ingleses e o belga Sacoman, iniciaram a industrialização do bairro... Pois bem, o vandalismo aqui é vertiginoso, furioso e incontrolavel... Pois bem, agora mesmo ando profundamente agoniada, com a iminente demolição de um dos palácios do bairro, palácio de arquitetura art-nouveau e decoração da renascença italiana e século dezoito francês. Uma maravilha, à mercê da infâmia dos alviões... Já movi céus e terra e continuo lutando, mas sei que será tudo em vão. Enfim sem as coordenadas paisagísticas de minha infância, adolescência e juventude, constantemente apunhalada pela fúria estetofóbica desta época de violência, encastelo-me...”.

A carta termina com palavras de admiração e afeto a Pedro Nava e mais... ...“falei já excessiva e impertinentemente de mim. Paro, grata por sua atenção... Com a esperança de um dia merecer conhecê-lo pessoalmente... ”Pedro Nava faleceu antes disto. Foi se mais um de seus sonhos !!

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